Artigo de Johannes Halter
A paixão inexplicável pelo
jornalismo leva todo ano milhares aos cursos de jornalismo. São homens e
mulheres, jovens e nem tão jovens. Eles serão batizados em várias formas de
trotes. Palavras sábias adiantam à calourada o que os espera: deixar de falar
como gente comum, matar aula daquele professor chato, ficar amigo do dono do
bar e se preparar para ganhar pouco. Pronto. Agora ele está preparado para se
tornar um padawa do clã dos jornalistas.
O campo profissional privilegiado
em vários cursos de comunicação social é o jornal impresso. O padawa será bom
se souber comunicar bem nessa plataforma diz algum mago das redações. As outras
plataformas comunicativas se tornam acessórias na grade reclama um mago da TV
ou do rádio. Surge, assim, o fenômeno do amor platônico pelas redações dos impressos.
Como em toda relação amorosa, o relacionamento
do jornalista com cada plataforma envolverá os defeitos e qualidades dessa. Antes
do casamento, ele precisa avaliar cuidadosamente os pontos positivos e
negativos. É nesse ponto que coloco a pergunta: o jornal impresso comercial é a
melhor opção para o matrimônio? Essa é uma pergunta interessante para uma
crítica ao modelo de grade dos cursos de jornalismo.
A formação cultural do Brasil desenvolveu
e cristalizou uma comunicação fortemente oral e visual. Os jornais nesse
contexto atendem a um público específico: aquele escolarizado, que concluiu o
ensino médio e fez curso universitário. Levantamentos oficiais falam de 10% que
no Brasil terminaram uma faculdade e 90% que ficam de fora. Estatísticas do
IBGE, do IPEA e de outros institutos falam de uma média de escolaridade de 5 a
6 anos.
Entre essas duas parcelas, há uma
bateria de muralhas da linguagem que impede uma boa parcela de gente do acesso ao conteúdo dos jornais
e revistas. A maior delas é a escolaridade, seguida da pobreza, do acesso e dos
obstáculos propositais. Essa formação sociológica da população brasileira caracterizou
os jornais como veículos de públicos seletos: aqueles 10% que tiveram vários
anos de escolaridade. Isso se expressa na tiragem dos jornais. Em 2008, a
Associação Nacional dos Jornais somava os dez maiores jornais e chegava a uma
tiragem perto de 4 milhões e meio de unidades diárias. Isso em um país de 195
milhões de habitantes.
Isso não significa que aqueles
90% não se informam, ignoram a realidade e não querem aprender. Eles simplesmente
usam instrumentos comunicativos que culturalmente se adaptam melhor às suas características:
a TV e o rádio. Mas falar de comunicação brasileira precisa levar em conta o
contexto econômico e político. A grande mídia no Brasil, aquela poderosa, está
fundamentada por alguns pilares. Está nas mãos de grupos seletos de empresários
e políticos. Tem uma ambição por lucros. E usa da manipulação e distorção da
realidade para atender sua ligação com a lógica do poder, a lógica da política.
Nesse contexto é que se encontra
o jovem estudante de jornalismo no Brasil. Aquele mesmo que entrou cheio de romance na
faculdade. Mesmo que ele ignore esse mundo concreto, ele existe e condiciona o
trabalho comunicativo. Essa é a conjuntura que todo curso de comunicação social
deveria analisar e estudar ao formular sua grade. Dessa forma, melhor prepararia
os acadêmicos como conhecedores da realidade comunicativa e social. Melhor
preveniria o estudante de se deixar aprisionar pelas aparências. Somente assim o amor platônico pelo jornal impresso passa a ser uma escolha consciente
ou um dos tantos namoricos que logo terminam.
Bibliografia:
Muralhas da Linguagem - Vito Giannotti
Padrões de manipulação na grande imprensa - Perseu Abramo
Dos Meios às Mediações - Jesús Martin-Barbero
Dicionário de Politiquês - Vito Giannotti e Sérgio Domingues
A Arte de Fazer um Jornal Diário - Ricardo Noblat