Quem é Luiz Fernando Mattos de Campos

Ao sentar-me na frente do computador para editar esse texto, disse a mim mesma que não deixaria me envolver pela história comovente que acabara de ouvir. Porém, já sabia que o auxiliar de serviços gerais, Luiz Fernando Mattos de Campos, me faria, por vezes, emaranhar os olhos e disfarçar a emoção pela sua história de vida.

 

Hoje com 47 anos, ele aparenta ter bem mais. Uniforme surrado de camisa em sarja azul clara e calça de tecido Oxford azul marinho complementado por botinas pretas, seu Luiz anda apressadamente pelo pátio do posto de combustível no qual trabalha.

Faz de um tudo. Ele é o “senhor do banheiro”. Fica lá limpando e distribuindo as chaves para os motoristas que chegam para usar o chuveiro. Faz isso como se fosse o trabalho mais importante do mundo. Limpa o pátio e dirige a jubiraca, uma espécie de trator. Ele nunca para. Liga para o caixa, para avisar ou pedir alguma coisa. “Aqui quem fala é o seu Luiz Fernando Mattos de Campos...” A garota sorri, acha engraçado.

_ Seu Luiz, o senhor nunca tira o uniforme?

_ Não, vizinha. Tô sempre em serviço.

Nasceu em Cacique Doble, cidade de 4 824 habitantes, no estado do Rio Grande do Sul. Atualmente mora em Araquari, no estado de Santa Catarina, na propriedade do patrão, em uma casa de madeira antiga e humilde, que tem algumas goteiras e necessita de reformas.

Na infância, a casa era de custaneira com telhado de taboa, ao lado do pai e da mãe e mais dezoito irmãos, dos quais ele foi o terceiro a nascer. Todos vivem espalhados pelo Rio Grande do Sul e Paraná. Uma delas é freira, a Maria Iara.

A comida era pouca e sem escolha. Polenta e canjica, se quisesse. “Não tomava café, só água de cidreira adoçada com melado. Café era muito caro”. Quando a mãe comprou a Curirinha, uma vaca de leite, ele pôde comer queijo e tomar leite.

O pai vendeu a terra para tentar a vida na cidade. Com oito anos, Luiz mudou-se com a família para Barra Grande, no Paraná. Pouco depois, foi levado por uma família para trabalhar e morar no emprego.

_ Do que o senhor gostava de brincar na infância?

_ Eu não tive infância, vizinha. Nunca soube o que foi brincar.

O mesmo aconteceu com seus irmãos. Com a grande dificuldade de manter e sustentar a família, os irmãos eram levados por outras famílias um a um para trabalhar na roça em troca de casa e comida.

Luiz calçou um par de sapatos pela primeira vez aos 23 anos. “Eu ganhei, só que era de um número maior, aí coloquei uma meia por dentro pra poder usar”.

 Os olhos negros e risonhos, altura mediana, cabelos escuros e engruvinhados, um pouco acima do peso, barriga saliente. Os dentes brancos, um pouco disformes, ressaltam na pele morena, engordurada e queimada do sol. Anda desajeitadamente, com os pés para fora, a coluna arqueada com os ombros caídos. Parece que leva o peso do mundo no ombros. O toque especial fica por conta das galochas brancas, que de vez em quando ele usa para fazer algum trabalho mais pesado. Voz mansa, educado e de postura subserviente, trata a todos como “vizinho”, “vosmecê” e “moça prendada”, esse último, quando quer algum favor do qual ele não entenda ou tenha dificuldade.

Já foi caseiro, lavrador, auxiliar de produção em uma fábrica de refrigerantes e em uma outra na produção de copos. O objetivo profissional é ser vigilante. Para tanto, já se inscreveu em um curso. Analfabeto até o ano de 2006, quando teve a oportunidade de estudar pelo SEJA, ele agora pouco pratica a fraca leitura por problemas de visão. “Gosto de ler a bíblia e páginas policiais nos jornais.”

Se ele pudesse, gostaria de vestir calça social e sapatos de bico fino brilhosos todos os dias. Entende tudo de trabalho rural e cuidados com os animais, mas não entende nada de jogos de sinuca.

Com o menisco do joelho gasto, ele diz que vai operar em janeiro. Tem colesterol alto e pressão alta. Mas tem iniciativa e boa saúde mental. É decidido, mas às vezes tem medo de nunca vencer na vida. Ele diz que o racismo já o atrapalhou diversas vezes.

Gosta de se divertir na cancha de bocha, já que o joelho não o deixa se aventurar no futebol.

Seu Luiz nunca tirou férias, nunca foi à praia, nunca viajou a passeio. Gosta apenas de frequentar a igreja. Dos poucos luxos que tem, a assinatura de uma TV a cabo é um deles. Assistir à filmes com Arnold Schwarzenegger e jogos de futebol é um dos seus passatempos preferidos. Na mais recente aquisição, adquiriu um celular com tecnologia androide para assistir a novela. “Gosto de assistir lá no morro porque tem mais caimento.”

Um dia desses, realizou um sonho de consumo: uma geladeira nova. “Economizei e comprei à vista. Dá até pra pegar água na porta”.

Quando tem um tempo livre, gosta de cuidar das plantas, de ouvir Tião Carreiro e Capataz e a música preferida é Pobre João, do Teixeirinha.

O que ele ama de verdade são os filhos, Lucas de 12 anos e Daniel, de 8. Lucas quer ser administrador de empresas e Daniel, bombeiro.

Torcedor do Grêmio, é casado há 14 anos com dona Adelina, que é cozinheira no restaurante ao lado e diz que não é romântico. Não tem cachorro, ou seja, tem um emprestado. Foi assim: doou o cachorro pro vizinho, mas o bicho volta e fica na casa dele.

Mesmo sendo uma pessoa considerada por muitos como “engraçado”, seu Luiz não é muito de sorrir.

Nunca teve muitos amigos. Diz que gosta de tê-los, mas somente pessoas do bem, que não fazem maldade pelas costas. Ele diz que sente vergonha de pessoas que fazem isso. Mas ele ainda confia na amizade. “E em Deus.”

Durante a entrevista, fica tímido. Apoia uma mão sobre a outra como se estivesse fazendo um juramento sobre a bíblia.

O mais importante para Luiz é ter saúde, pois sem ela não conseguiria trabalhar e continuar na luta, como diz. Ele acha ainda que a vida precisa melhorar. Se algum dia pudesse ter um carro, o modelo escolhido seria um Gol na cor branca.

Quando pergunto-lhe o dia de maior alegria na vida, os olhos cor de jabuticaba brilham. “Foi na minha primeira comunhão”. Diz que usava calça social azul escura e camisa azul clara, sua cor preferida.

Tristeza na vida ele ainda tem, quando lembra da enchente em Blumenau, em novembro de 2008, quando sua casa foi totalmente tragada pela água. Os olhos negros agora se entristecem, como se quisessem se esconder para não revelar a dor que ainda existe no peito. A Defesa Civil o obrigou a sair da casa, um pouco antes de desabar. “Não recebi nada da prefeitura porque o homem de quem comprei o terreno tinha dívida ativa de IPTU com a prefeitura. Como eu não tinha escritura, somente o contrato de compra e venda, perdi até o direito de reaver o terreno”.

Os pais ainda são vivos. O pai tem 76 anos e a mãe tem 75 anos. Ambos aposentados com um salário mínimo cada.

O sonho dele é ser escolhido para participar do Sonhar mais um Sonho, um quadro que existe no programa da TV aberta comandado pelo apresentador Gugu Liberato. “Quero trazer meus pais pra morar comigo. Onde eles moram, no Bairro Pontiagudo, em Blumenau, planta-se tira e colhe-se laço. Estão muito velhinhos. Tenho medo que alguma coisa aconteça com eles, pois moram num morro e a casa fica em cima de um córrego. Já entrou água dentro várias vezes. Pra descer, eles tem de usar uma escadaria e meu pai esse dias me ligou. Tinha caído de lá, tentando descer.”

_ Vosmecê manda a minha história pro Gugu?

_ Com todo prazer.

Texto e fotos: Ednéa Anastácio