segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Vidas através do "Lixo"

O que para alguns é apenas lixo, para oito famílias do bairro Jardim Edilene, na zona Sul de Joinville, “é vida”. É na Cooperanti – Cooperativa Amiga do Meio Ambiente que oito mulheres trabalham para complementar a renda familiar e dar “aquela forcinha” para que o bairro fique mais limpo e bonito. As protagonistas da história a seguir – que já dura nove anos – são mães de família, casadas, solteiras ou viúvas; com sobrenomes Silva, Souza, Costa e Santos; com escolaridades que, somadas, não chegam aos anos necessários para se completar o Ensino Superior, mas com um conhecimento e uma vontade de viver que muitos diplomados não possuem.
Tudo começou por acaso. As amigas trabalhavam em uma horta comunitária que recebia o apoio do Projeto Resgate. Como o terreno era irregular, não puderam continuar com as plantações. Com o final da horta, uma das trabalhadoras começou a acumular e separar os resíduos sólidos para reciclagem nos fundos de casa. O espaço ficou pequeno e, com ajuda do Consulado da Mulher de Joinville, criou-se a Cooperanti – Cooperativa Amiga do Meio Ambiente, uma alternativa para aumentar a renda familiar, gerar empregos e ajudar na preservação ambiental e conscientização dos moradores do bairro. Isso, nove anos atrás.



O Consulado da Mulher alugou uma residência no bairro Estevão de Matos para que as mulheres pudessem continuar com os trabalhos. Além disso, em parceria com a FURB, de Blumenau, realizaram um curso de empreendedorismo voltado à área. Oito meses depois, com o término da ajuda mensal de R$ 200,00 do Consulado, as cooperadas precisaram decidir entre continuar pagando o aluguel, encerrar a Cooperanti ou adquirir um terreno próprio.
Com coragem, compraram o terreno em que estão hoje, na Rua Irmã da Graça Braz, quadra M, Lote 34. Foi, e é difícil. A entrada necessária, de R$ 200,00, foi dividida entre as cooperadas. Cada uma cedeu parte de seu ganho pessoal para a compra. Hoje, as parcelas de R$ 381,00 são partilhadas por todas que trabalham no local. Assim, também acontece com as tarifas de água, luz e telefone. Um gasto de, aproximadamente, R$ 700,00 mensais que representa quase 13% da renda individual. 



O trabalho é árduo. Diariamente, chegam a Cooperanti de uma a duas toneladas de resíduos sólidos, através de uma parceria com a Engepasa Ambiental. A partir daí, elas se encarregam de separar e empacotar o que é reciclável durante 11 horas diárias, de segunda a sábado, com intervalos apenas para o almoço e o café. Elas recebem R$ 3,00 por hora trabalhada, o que, no final do mês, soma aproximadamente R$ 600,00.
 Além do trabalho difícil, da falta de salubridade e do suor no rosto, uma constante na Cooperanti é a alegria. Elas brincam e sorriem o tempo todo. Mas, gargalhadas mesmo dão ao lembrarem o item mais curioso que já encontraram durante a triagem de materiais: uma genital masculina confeccionada com cimento. Ali, acham de tudo mesmo. De roupas íntimas a  livros, utensílios domésticos, comidas e até, cachorro morto. Os livros ganham nos filhos das trabalhadoras novos leitores e, os utensílios domésticos, fazem parte do dia a dia de suas famílias. Mas, engana-se quem pensa que cada uma leva para casa o que bem entender. Não. Cada item que desperta o interesse é pesado e comprado individualmente. O dinheiro vai para as contas do empreendimento.



Infelizmente, o perigo também está sempre por perto. Além de animais mortos, já se depararam com lixo hospitalar em sacolas que deveriam conter resíduos recicláveis.  Às vezes, elas pensam que encontrarão um bebê por ali. Todas possuem um instinto materno aguçado.
Outra alegria das mulheres da cooperativa é o pequeno Lailo, um cão de guarda vira-latas. Lailo pertencia ao vizinho e, com a chegada da cooperativa e centenas de sacos para fuçar, começou a trocar de terreno. Dócil, foi ganhando atenção e comida das mulheres e foi ficando. “Ah, o vizinho doou ele pra gente. Já não saia daqui mesmo”, diz, sorridente, a presidente da Cooperanti, Iriade da Costa.

             
            Para não interromper o trabalho no horário do almoço, elas construíram uma cozinha. Ali, preparam um almoço coletivo, que ajuda a selar a amizade. A compra dos alimentos é coletiva e paga pela renda gerada na cooperativa. Outro benefício conquistado foi a criação de uma reserva monetária para empréstimos às integrantes. Quem recorre a ele pode pagar em até 10 prestações, com uma taxa de apenas R$ 10,00 pelo serviço. Mas, a conquista mais importante foi o recolhimento da contribuição ao INSS para todas as integrantes. Um benefício que proporciona segurança ao trabalho da Cooperanti e que garantirá uma aposentadoria às trabalhadoras. 

Algumas protagonistas desta história:

            Íriade Ribeiro de Paula da Costa, 57 anos.
            Presidente da Cooperanti.




Natural do município de Rio Branco do Sul, no Paraná, mora há 40 anos em Joinville e é a presidente da Cooperanti. Conhecida na comunidade por seu ativismo social, já coordenou a cozinha comunitária do bairro e hoje, também é presidente da Pastoral do Idoso do Centro de Referência de Assistência Social do Jardim Edilene. Apesar do grupo ser direcionado à pessoas com mais de 60 anos, ela brinca dizendo que “se não comparece às reuniões, o grupo se desfaz”.
            Iriade veio para Joinville por amor. Fugiu com o primeiro marido, seu “par de cueca”, como fala carinhosamente. Na época com 17 anos, trabalhou como empregada doméstica até o acidente que deixou o esposo tetraplégico. Alguns anos depois, ele faleceu vítima de insuficiência respiratória. Iriade cuidou dele até o fim.
            O segundo e atual esposo surgiu após seis meses de viuvez e também trabalha com reciclagem. A união, que já dura 23 anos, é a mesma para defender a ocupação de cada um. Iremar da Costa, 52 anos, trabalha como “carrinheiro”, ou seja, anda de casa em casa coletando os resíduos. E, não tem coisa que irrita mais o casal do que serem chamados de lixeiros. “Lixeiros são os locais onde devem ser depositados os lixos”, defende Iriade.
          Íriade permaneceu analfabeta até 2002. Aprendeu as primeiras letras com a irmã Franciscana Marlene dos Santos, na Escola Municipal Joaquim Felix Moreira, localizada no bairro. Tudo através de um projeto comunitário. Atualmente em Blumenau, quando vem a Joinville, “a irmã vem visitar a aluna rebelde”, lembra carinhosamente Iriade.
   Mãe de dois filhos, Iriade deixa transparecer em meio ao sorriso, a tristeza. O primeiro filho, criado no Paraná, foi morto a pedrada aos 28 anos. Já no segundo casamento, ela adotou um bebê de quatro meses. Mas, a sorte não bateu a sua porta. Em 2010, Reginaldo Paula da Costa, foi assassinado com três tiros. Segundo a mãe, o jovem foi traído por um falso amigo. “Ele sabia de muita coisa, de traficantes que ninguém deveria ficar sabendo”, advoga, completando que o filho recém começara a trabalhar em uma grande empresa de Joinville quando foi assassinado.

Josiani Oliveira de Souza, 32 anos.


Ela estudou até a 3ª série do Ensino Fundamental. Possui quatro filhos, de 14, 12 e 10 anos e um bebê 11 meses. Casada há 15 anos, há nove trabalha na cooperativa e ajudou a fundá-la. É natural de Grandes Rios, no Paraná e morou em São Paulo por seis anos. Veio para Joinville, seguindo a mãe, e aqui está há 16 anos.

Euvira dos Santos, 47 anos.


Estudou até a 2ª série através do Programa de Alfabetização Sabiá. Aprender a ler e a escrever, “nem que seja apenas o nome”, foi uma conquista, como afirma Euvira, que foi alfabetizada aos 40 anos de idade. Ela possui sete filhos, de 27, 25, 24, 21, 18, 17 e 15 anos e é divorciada. Trabalha na cooperativa desde o início, há nove anos. É natural de Nova Esperança, município paranaense.

Leide Maria Novaes da Silva, 50 anos.


É viúva e mãe de sete filhos, o primogênito tem 30 anos e o temporão 15. Para ajudar no sustento da família, começou a trabalhar como colaboradora do meio ambiente há dois anos. É natural de Joinville e estudou até a 8ª série.

Olivina Viana da Silva, de 55 anos.


Estudou até a 4ª série e possui nove filhos. Casada há 15 anos, é natural de Guarapuava, no Paraná e chegou em Joinville no dia 07 de outubro de 1996 para ajudar a irmã mais velha e tomar conta da mãe e de outra irmã, ambas com deficiências físicas.

Um pouquinho do trabalho delas...


Texto, fotos e vídeo: Carolina Veiga
E-mail: carolina_veiga@rocketmail.com

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